O nascimento da imprensa


 A história da imprensa é parte integrante da história geral da civilização

Texto de Bira Câmara

O primeiro século da imprensa


Principal veículo para a difusão das ideias durante os últimos quinhentos anos, a mídia impressa interpe­netra todas as esferas de atividade humana. Ne­nhum evento político, constitucional, ecle­siástico e econô­mico, nem os movi­mentos sociais, filo­sóficos e literários podem ser compreen­didos sem le­var em conta a in­fluência da imprensa sobre eles. O comércio de obras impressas teve im­por­tante parti­cipa­ção no desen­volvimento eco­nômico de todos os ra­mos da indústria e do co­mércio. 

Baseado em um processo técnico, a imprensa evoluiu junto com as ciências aplicadas. A história dos tipos de im­pressão é apenas um capítulo dessa evo­lução. A sua transformação aconteceu devido a muitos fatores: por novas e urgentes necessidades dos primeiros impressores, novas possibilidades abertas, e também por melhorias técnicas no processo de impressão; por razões comerciais dos impressores ou editores; ou, por último, devido a mudanças sociais, incluindo mudanças no gosto do público leitor e na moda.

Como “aventura e arte”, assim Gu­temberg descreveu sua épica invenção em 1439; e “aventura e arte” desde então permaneceram como as características dos livros impressos, de sua con­cepção na mente do au­tor ao produto acabado na livraria e à estante do bibliófilo.

A história da im­pressão por tipos mó­veis, da tipografia, pode ser dividida em três períodos:

1) 1450-1550, o sé­culo criativo, que teste­mu­nhou a invenção e o co­meço de pra­ticamente tudo o que ca­racteriza as modernas peças de impressão. 

2) 1550-1800, a era da consolidação, que desenvolveu e refinou o acabamento do período precedente com espírito pre­dominantemente conservador.

3) 1800 até nossos dias, período de tremendo avanço tecnológico, com mudanças radicais nos métodos de produção e distribuição, bem como nos hábitos dos produtores e leitores.

Gutenberg, à direita, manuseia um panfleto
impresso em tipos moveis
A tipografia foi in­ventada em 1445 pelo alemão Johannes Gu­ten­berg, o primeiro a tra­balhar com carac­teres móveis fun­dindo letras em metal. Mas seu invento foi na verdade o aper­feiçoamento de um processo que já era usado: na China, no século XI, um certo Pi-Ching imprimiu com tipos móveis, embora seu invento não desse frutos; no tempo de Gutemberg já se gravavam pranchas de madeiras para imprimir (impressão tabulária), mas, como se desgastavam rapidamente, passaram a ser usadas letras móveis de pau. A prensa de rosca já era usada corriqueiramente pelos encadernadores e xilógrafos na tiragem de estampas e opúsculos; a impressão avulsa das letras do alfabeto também era praticada pelos enca­dernadores nas capas dos livros, pelo processo seguido até hoje na douração das lombadas. Inúmeros impressores, ourives e gravadores disputaram a glória de ter inventado a fun­dição de tipos. Os ele­mentos da tipografia – como a prensa – já exis­tiam e eram corri­queiros, mas coube a Gutemberg tê-los reu­ni­do e ordenado de forma útil e coerente. O que tornou possível a impressão a partir de tipos metálicos foi a invenção da tinta óleo; sem ela a tipografia não teria futuro. 

Desde 1436 Gutemberg pes­quisava uma liga con­sistente e maleável de chumbo, mas só em 1445 con­seguiu com­por e impri­mir o pri­meiro livro de que há registro: o Juízo Final (Weltgericht), com 74 páginas, do qual resta somente uma folha de 28 linhas, guardada na Biblioteca Estadual de Berlim. Em 1450, Gu­tem­berg contraiu um empréstimo com João Fust para dedicar-se a uma obra de fôlego: a produção de uma bíblia – a Bíblia de 42 linhas. Mas ao terminar o terceiro fólio da obra ele estava que­brado; para estampá-la, com mais de seiscentas folhas, além do metal, tinta, perga­minho e papel, foram necessários seis prelos e a ajuda do gravador e calígrafo Pedro Schoeffer. Antes de terminá-la, esgotados os seus recursos e pos­sibilidades, Gutemberg teve de entregar a imprensa com todos os seus petrechos ao prestamista, incluindo os cadernos prontos da Bíblia e os materiais adquiridos para concluí-la. A obra veio a lume em 1456, logo depois que João Fust tomou posse da oficina de Gutemberg. Este in-fólio de 641 folhas, em dois volumes, é o primeiro “fruto perfeito da tipografia”. Não traz data, procedência nem nome do impressor, mas ficou conhecida para sempre como a Bíblia de Gutemberg

A marca de Schöffer & Fust
Fust associou-se a Schoeffer, hábil calígrafo e gravador que aperfeiçoou o entalhe, a moldagem e a fundição de tipos, estampando nos livros as vinhetas e capitulares ainda desenhadas e coloridas à mão. A primeira obra publicada por esta parceria em 1457, o Psalmorum Codex, é graficamente muito superior às obras concluídas depois por Gutemberg. A imprensa disseminou-se com uma rapidez espantosa: em pouco tempo mais de 1.200 oficinas se espa­lharam pela Europa, produzindo mais de 35.000 edições.

Os incunábulos


Página da Biblia de 42 linhas ou
de Gutemberg (1456)
As primeiras obras foram impressas manualmente, linha por linha. Estes livros eram em geral em
tamanho grande (in-fólio). O tipógrafo deixava espaço para as letras iniciais de uma frase para serem desenhadas à mão no devido lugar. Estas obras impressas com tipos móveis foram denominadas incunábulos, e este termo abrangia tanto o livro como uma folha única, ou imagem impressa nos primeiros tempos da imprensa com tipos móveis, não escrito à mão. Refere-se às obras produzidas entre 1455, data apro­ximada da publicação da Bíblia de Gutenberg, até 1500. São muito raros e valiosos. A sua origem vem da expressão latina in cuna, “no berço”, referindo-se assim ao berço da tipografia. O termo foi usado pela primeira vez por Bernhard von Mallinckrodt, no tratado De ortu et progressu artis typographicae (“Da ascensão e progresso da arte tipográfica”, Colônia, 1639), onde aparece a frase prima typographicae incunabula, “a primeira infância da tipografia”. Em muitos lugares a tipografia só chegou no início do século XVI, mas convencionou-se que o limite dos chamados incunábulos seria o ano de 1500. O termo passou a denotar também os livros impressos até o recente século dezessete. 

Mas esta data foi uma convenção arbitrariamente escolhida e não reflete o notável desenvolvimento do pro­cesso de impressão por volta do ano 1500. Incunábulo normalmente se refere aos primeiros livros impressos, produzidos ao mesmo tempo em que alguns livros ainda eram copiados à mão. No século quinze, colecionadores de livros mais exigentes não admitiam livros impressos em suas bibliotecas pessoais.  

Uma característica dos incuná­bulos é não possuírem página de rosto e, em algumas obras, constava no final o “impressum”, isto é, as indicações onde o livro fora impresso e por quem, mais a data da finalização da obra. No início do livro, às vezes constava o índice do texto, seguido, da obra pro­priamente dita, onde declarava o título e a autoria de quem o escrevera. A primeira letra era muitas vezes “iluminada” (técnica de ilustrar com pintura o início do texto).

Em Berlim existe o catálogo cen­tral de todos os incunábulos impressos até 1500 com as suas respectivas localizações.
O primeiro incunábulo ilustrado.
Xilogravura mostrando a entrada
 para a Igreja do Santo Sepulcro,
em Jerusalém, o
Peregrinatio in
terram sanctam, de 1486,
colorizada à mão por
Erhard Reuwich. Biblioteca do
Estado da Bavária, Munique.

Há dois tipos de incu­nábulos: o livro im­presso a partir de um único bloco de madeira esculpido para cada página, processo cha­mado de xilo­grafia, e o ti­po­gráfico, feito com ti­pos móveis individuais de metal agru­pados em uma prensa de impressão, na tecnologia difundida por Gutenberg. Muitos autores empregam o termo incu­ná­bulo apenas para livros produzidos pelo processo tipográfico.

A expansão gradual da imprensa foi garantida pela grande variedade dos textos escolhidos para im­primir e pelos estilos dos tipos que eram usados na impressão. Muitos dos primeiros caracteres eram baseados em modelos locais de escrita ou de­rivaram das várias formas européias de escrita gótica. Mas também ha­viam al­gumas fontes derivadas de escrituras documen­tárias (como a maioria dos tipos de Caxton), e, particularmente na Itália, tipos cal­cados em escrituras ma­nus­critas e baseados em caligrafias à pena. Estas fontes tipológicas, deri­vadas de estilos de caligrafia manual, são frequen­temente usados até hoje, apenas modi­ficados, na forma digital.  

Os impressores tendiam a se esta­belecer em centros urbanos onde resi­diam os estudiosos, os religiosos, os advogados, os nobres e os profis­sio­nais que formavam sua clientela principal. A maioria dos primeiros impressos era composta de pequenas obras escritas no latim herdado da tradição medieval. Mas como os livros ficaram mais ba­ratos, come­çaram a aparecer também trabalhos redigidos nos vários verná­culos (ou traduções de pequenas obras).

Fontes:

Carlos Rizzini, O Jornalismo Antes da Tipografia, Cia. Ed. Nacional, 1968, S.P.
Oliveira Lima, História da Civilização, Melhoramentos, 4a. Ed.
S. H. Steinberg, Five Hundred Years of Printing, Penguim Books, 1955, Edimburgh





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