sexta-feira, 9 de abril de 2021

"Os Argonautas", saga mitológica com sabor decadentista

Publicada em 1905, esta obra do escritor catarinense Virgílio Várzea é uma
verdadeira raridade literária, burilada com delicada ourivessaria literária.

Texto de Bira Câmara


Apesar de filiado à corrente naturalista, em Os argonautas Virgílio Várzea reconta com sabor decadentista a saga de Jasão em busca do Velocino de Ouro. Na mitologia grega os argonautas eram tripulantes da nau Argo que, segundo a lenda grega, viajaram até a Cólquida (atual Geórgia) em busca do Tosão de Ouro (ou Velocino de ouro).

A saga dos argonautas descreve esta perigosa expedição. A lenda foi relatada por Apolônio de Rodes, em seu poema épico A Argonáutica (ou Os Argonautas, c. 250 a.C.), traduzido em 1852 em português diretamente do grego por José Maria da Costa e Silva.

Segundo o mito, o rei Éson havia sido destronado por Pélias, seu meio irmão. Jasão, o filho de Éson, que fora exilado na Tessália e entregue aos cuidados do centauro Quíron, ao atingir a maioridade retornou para reclamar o trono que lhe pertencia por direito. Então, para se livrar do intruso, Pélias resolveu incumbi-lo da arriscada expedição em busca do Velocino de Ouro. Um arauto foi enviado por toda a Grécia a fim de convocar heróis que estivessem dispostos a participar da difícil empreitada. Assim, aproximadamente cinquenta jovens se apresentaram, todos eles heróis de grande renome e valor.


Cada um deles desempenhou na expedição uma função específica, de acordo com suas habilidades. Entre eles estava Orfeu, que tinha o dom da música, e coube-lhe a tarefa de cadenciar o trabalho dos remadores. Com sua voz ele sobrepujou o canto das sereias que seduziam os navegantes. Argos construiu o navio e por isso, em sua homenagem, a embarcação, construída com madeira das árvores do bosque sagrado do oráculo de Dodona, recebeu seu nome. O piloto era Tífis, discípulo da deusa Atena na arte da navegação, morto na Bitínia e substituído por Ergino, filho de Poseidon, o deus dos mares. Castor e Pólux, gêmeos filhos de Zeus e Leda, atraíram a proteção do pai durante a tempestade que a nau enfrentou. Entre os heróis destacavam-se também Teseu, considerado o maior herói grego, Hércules (que não completou a expedição) e Jasão, chefe e comandante da expedição.

Este texto de Virgílio Várzea, verdadeira raridade literária, ficou no ostracismo e não foi reeditada até hoje. Uma obra para poucos e diferenciados leitores, que saberão apreciar a narrativa concisa, burilada com delicada ourivessaria literária.



Os Argonautas

Virgílio Várzea

Brochura, ilustrada,137 páginas, formato 11,5 X 18,5 cm.

Bira Câmara Editor

PEDIDOS: jornalivros@gmail.com



Virgílio Várzea, naturalista ou decadentista?


Escritor catarinense pouco lido e conhecido nos dias de hoje, Virgílio Várzea é classificado pela crítica literária como autor filiado à escola naturalista, admirador confesso de Zola, dos irmãos Goncourt e de Eça de Queirós, entre outros escritores em voga no final do século XIX.


Nasceu em 1863 no Desterro (hoje chamada Florianópolis). Seu pai, português capitão da marinha mercante, viajava pela costa sul do continente e isto explica a recorrência do mar e a experiência marítima na sua produção literária. Aos treze anos foi enviado para o Rio de Janeiro, para estudar na Escola Naval, onde ficou por três anos e saiu para percorrer o mundo. 

A bordo do navio Mercedes conheceu o Uruguai, Argentina, Patagônia e Antilhas, e depois, no navio britânico Theodore, conheceu Cabo Verde e viajou pela Europa. Esteve também na África do Sul, e navegou pelo Oceano Índico. Interrompeu temporariamente as viagens e retornou a Desterro em 1881, onde exerceu vários cargos públicos, trabalhou em serviços burocráticos e iniciou-se no jornalismo e na literatura. Foi Promotor Público em São José e Secretário da Capitania dos Portos e Professor em Florianópolis. Na sua terra natal reencontrou colegas de escola que ensaiavam os primeiros passos na imprensa catarinense, entre eles Cruz e Souza.

A juventude letrada da cidade se empolgava com ideias de modernidade, progresso, materialismo e ciência, eram abolicionistas e favoráveis à república. A partir de 1882, com a participação de Várzea e Cruz e Souza, estes jovens começaram agitar o marasmo da província com uma cruzada cultural contra o romantismo, defendendo o que eles chamavam a “Ideia Nova”, a renovação estética da literatura Autodenominavam-se “guerrilheiros” e deram ao movimento o nome de “Guerrilha Literária Catarinense” (1882-1887). Para divulgar suas ideias, fundaram e dirigiram jornais como A Tribuna Popular, O Colombo e o periódico satírico O moleque.

Eleito deputado em 1892, não concluiu o mandato e mudou-se para o Rio de Janeiro, onde viveu até sua morte em 1941.

Publicou seu primeiro livro de poesia em 1884, "Traços Azuis". Um ano depois, em parceria com o  amigo Cruz e Sousa, lançou o volume de contos e crônicas "Tropos e Fantasias" (1885). 

Várzea correu o mundo a bordo de embarcações de várias nacionalidades e conheceu portos de todos os continentes. Graças a essas experiências de juventude colheu histórias, paisagens e configurações narrativas ao longo da vida, o que levou alguns críticos a se referir à sua obra como uma “saga marinhista”. A sua obra mais conhecida, O brigue flibusteiro (1905), é um romance de aventura em torno da ocupação inglesa da Ilha da Trindade em 1895, onde consolidou seu perfil de escritor da vida marítima brasileira.

Amigo de Cruz e Souza, na década 1890 era mais conhecido que o ilustre poeta. Quando mudou-se para o Rio de Janeiro enfrentou menor resistência e teve acesso mais fácil aos jornais, aos homens de letras e aos editores. Atualmente, apenas no seu estado natal Virgílio Várzea desfruta de alguma notoriedade. A Academia Catarinense de Letras trabalha pela preservação de seu nome e publicou vários manuscritos inéditos de sua autoria. 

Apesar da filiação naturalista, o estilo de Várzea recheado de adjetivações e adverbiações excessivas se opunham ao naturalismo, refletindo nítida influência decadentista, o que não passou despercebido aos críticos.

Em 1887, Várzea publicou em Portugal seu terceiro livro, "Miudezas", de contos. Oito anos mais tarde, em 1895, com "Mares e Campos", atingiria o apogeu de sua obra. Em seguida, publicou também "Contos de Amor" (1901), "Histórias Rústicas" (1904) e "Nas Ondas" (1910), bem como um romance, "George Marcial" (1901), e as novelas "Rose-Castle" (1893), "Em Viagem" (1892), "O Brigue Flibusteiro" (1895), "A Noiva do Paladino" (1901) e finalmente "Os Argonautas" (1905). Segundo os críticos, os textos mais longos de Várzea não se equiparam em qualidade aos seus contos. Participou também da comissão de tradução da Tradução Brasileira das Sagradas Escrituras (Bíblia Sagrada). 

Com exceção de "O Brigue Flibusteiro", publicado em 1951 pela coleção Saraiva, suas obras não foram mais reeditadas desde 1910. "Mares e Campos" teve uma reedição fax-similar pela Fundação Catarinense de Cultura (FCC), em 1991. Várzea deixou um livro de contos inédito, "O Rouxinol Morto", que teria sido destruído a pedido dele. 

Desiludido após quatro candidaturas mal sucedidas ao posto de imortal na Academia Brasileira de Letras, afastou-se precocemente da literatura.

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