sexta-feira, 9 de abril de 2021

"O Mago", uma parábola bela e assustadora

Um conto de Bulwer-Lytton que revela o embrião de alguns temas recorrentes nas suas obras posteriores, e que reapareceriam em Zanoni, Uma Estranha História e Raça Futura: imortalidade, poderes misterio­sos, ocultismo, mundos subterrâneos. Nas primeiras obras de fic­ção de Lytton já despontava o seu gosto pelo fantástico. O Mago, concebido quando ainda era estudante, revela o talento descritivo e a imaginação poderosa que o colocaria entre os autores ingleses mais lidos em sua época. 

Texto de Bira Câmara


O Mago, ou O Conto de Kosem Ke­sa­mim, é uma das obras mais enigmáticas de Lytton, e apareceu em 1833 como parte do roman­ce Asmo­deus at Large, intercalando uma trama recheada de conteúdo sobrenatural. O próprio autor considera esta obra uma “miscelânea”, devido às constantes alusões ao real e a eventos temporais; mas o tema e a história são conduzidos por um “sentido metafísico”, como Lytton explica no prefácio. No romance, o narrador — ente­diado com a vida —, é abordado pelo demônio Asmo­deu em uma excursão em busca de novas sensações; assiste a um sabbath, envolve-se com uma feiticeira, e encontra Kosem Kesamim, o maior bruxo de todos os tempos. Depois, passa algum tempo em Cyprolis, uma cidade subterrânea; viaja para o centro da terra e vê uma figura de pedra gigante, com inúmeras cordas emergindo dela — presumi­velmente uma alegoria do Destino. Este texto revela o embrião de alguns temas recorrentes nas obras de Lytton, que reapareceriam em Zanoni, Uma Estranha História e Raça Futura: imortalidade, poderes misterio­sos, ocultismo, mundos subterrâneos. O con­to foi republicado em 1835 na revista New Montly Magazine, destacado do Asmodeu at Large

Este conto, como o próprio autor revelou, é um poema em prosa que deveria ser posteriormente reelaborado numa obra mais pre­ten­siosa, abordando o tema da imortalidade, entre outras questões metafísicas e filosóficas. Para Lytton, a principal dificuldade deste projeto seria evitar que se tornasse uma mera imitação do Fausto. O conto é praticamente o embrião de Zanoni, que veio a lume em 1842. Parábola bela, mas assustadora, sua mensagem é clara: mesmo para o iniciado na ciência secreta há um limite na busca do conhecimento, e não basta simplesmente saber, mas alcançar o conhecimento certo. 

Embora concebido quan­do ainda era estudante, o autor já demonstra em O Mago o talento descritivo e a imaginação poderosa que o colocaria entre os autores ingleses mais lidos em sua época. Há que se dar um desconto ao estilo por vezes pomposo, austero e elíptico desta narrativa — frases com longos períodos, o que se tornou uma marca do autor —, pois foi imaginada como um poema em prosa, onde o seu efeito dramático se concentra em grande parte na força das palavras.

Humor e magia

O conto chinês de Fi-ho-ti, ou Os Prazeres da Celebridade (1835) é outra produção dos tempos de estudante de Lytton, mas pode ser considerado como uma obra prima do conto filosófico. Despido do cunho fantástico e simbólico de O Mago, este texto se destaca pela ironia quase voltaireana, que há de agradar até aos leitores de nosso Machado e de Eça de Queiroz.

Em A Morte e Sísifo Lytton envereda pela narrativa mitológica, adotando um estilo leve e conciso, com um toque de humor que contrasta com a gravidade de outras obras suas. Este conto foi originalmente escrito na forma de poema, com versos brancos metri­ficados, nas pega­das dos grandes vates da velha Grécia. Nesta versão aqui apresentada, preferimos adotar a prosa tradicional, mais fami­liar ao leitor dos dias atuais. A narrativa foi extraída do livro The Last Tales of Miletus (1866), uma coletânea de contos em versos onde Lytton revisita alguns mitos gregos, temática que também sempre o cativou.

A Casa e o Cérebro é de 1857, quando o autor já estava consagrado pela publicação de Os Últimos Dias de Pompéia e Zanoni, entre outras produções. Enquanto O Mago é uma espécie de parábola ao estilo de Pöe, com toques faustianos, A Casa e o Cérebro relata uma eletrizante história de as­som­bração com final inesperado, um conto que se tornou célebre e foi publicado em inúmeras antologias do gênero ao longo do tempo. Neste texto, Lytton consagra-se como um es­critor em pleno controle do seu métier e não é por acaso que Lovecraft o considerou uma das melhores histórias de casa mal-assombrada escritas até hoje. O personagem maligno e imortal deste conto teria sido inspirado na figura do misterioso conde de Saint-Germain.

Já o conto Daimon e Daimonos é uma curiosa antecipação do William Wilson, de Pöe. Note-se que este conto foi publicado em 1839, três anos depois da obra de Lytton, abordando o tema do duplo — o doppelgänger da mitologia germânica, que surgiu na literatura a partir do célebre romance de Hoffmann Os Elixires do Diabo. Mas o personagem de Lytton não é propriamente o «duplo», ou cópia idêntica do personagem, embora sem dúvida seja uma espécie de alter ego que passa a acompanhá-lo e assombrá-lo.

Apesar de seu exagero re­tórico e romântico, Lytton conseguiu encantar o público leitor com seus contos e romances de mistério, e tornou-se uma referência para os apreciadores da literatura fantástica e de terror.


O MAGO 

E OUTROS CONTOS

Edward Bulwer-Lytton 

Brochura, 144 páginas, formato 11 X 20 cm., 2014, Ilustrado, tradução de Júlia Câmara. Ilustrações de Odilon Redon, Friedrich John, R. H. Van Gulik e Bira Câmara.

PEDIDOS: jornalivros@gmail.com




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