sexta-feira, 9 de abril de 2021

Brasil, pátria do capeta

Místicos como Chico Xavier e Pietro Ubaldi, e até intelectuais como Stephan Zweig e Anibal Vaz de Melo acreditaram no mito de que o Brasil abrigará uma grande civilização no futuro.  Mas de onde vem afinal esta ideia estapafúrdia?

Texto de Bira Câmara, extraído do livro “A Nova Era: os deuses estão de volta?”



A resposta pode estar no próprio nome do país. Poucos sabem que a palavra Brazyl tem raízes célticas e que na Idade Média designava uma ilha mítica localizada no extremo oeste da costa da Irlanda. “Ao longo dos séculos, a ilha foi sendo deslo­cada nos mapas até chegar à costa do que conhecemos hoje como América do Sul.” (1). 

Antes de 1500, os Portugueses eram apai­xonados pela ideia de uma ilha no Atlântico chamada Brasil por influência do folclore irlandês (2). As lendas relativas a esta famosa ilha são inúmeras; é chamada também de a ilha da verdade, da alegria, da mulher encantada, das maçãs, um paraíso muito distante, entre outros nomes. Brazyl aparece com destaque na cartografia medieval e, por força da escatologia cristã, as ilhas do Outro Mundo da mitologia céltica foram assimiladas à terra da promissão bíblica. 

O historiador Gustavo Barroso registrou que “o nome cristão de Santa Cruz apagou-se diante do nome prático e comer­cial de Brasil, porque também este envolvia (...) poderoso elemento espiritual, que representava um antigo desejo, um velho anseio da alma humana vindo dos mais remotos tempos”. (3) Muitos cronistas, cosmógra­fos e cartó­grafos chegaram a atribuir a mudança do nome Terra de Santa Cruz para Brasil “às artes do demônio, cioso de riscar dos mapas o nome da Cruz, protestando indignados contra o fato”. 

Portanto, não é fora de propósito supor que este mito possa ter inspirado o sonho de Dom Bosco, de uma “terra de promessa, onde brota leite e mel”, que para muitos é a antevisão de Brasília (4). 

Outra profecia digna de destaque aparece no livro “Misté­rios e Magias do Tibet”, publicado nos anos cinquenta, da escritora brasileira Chiang Sing (5). Quando esteve no Tibet, ela se encontrou com o abade Rimpotche que revelou a ela que na América Latina se erguerá uma nova civilização. É bem verdade que ele também fez outra previsão sobre a humanidade do futuro, afirmando que a raça humana se tornaria andrógina no século 21, mas ninguém prestou atenção nesta... A profecia, na verdade, foi feita por astrólogos tibetanos em 1850: “a luz da sabedoria voltará a brilhar no Ocidente, e em especial na terra de O fu Sang, ou América Latina”. Divulgada principalmente pelos teosofistas, a ideia se espalhou pelos meios esotéricos e espiritua­listas no século vinte, alimentando o ufanismo brazuca e a crença irracional na terra do futuro. 

Os adivinhos que previram que a luz do Oriente se deslocaria para a América talvez tenham antecipado algo que pode ocorrer — quem sabe — daqui a uns 600 ou 1000 anos. Talvez tenham visto errado; talvez essa luz tenha mudado de rumo e se transferiu para o Canadá... Ou, ainda, esta luz pode ser negra, espalhando a ignorância, a superstição, o atraso, a miséria moral e material que pairou no Oriente durante milênios...

Místicos e esotéricos costumam se unir em torno de profecias, desde que elas coincidam com seus projetos de futuro, da mesma forma que a esquerda se une em torno da ideia da tal sociedade perfeita que nem mesmo ela sabe como será. Bem, todos eles têm muita coisa em comum: são todos visionários e messiânicos, quando não vigários.

Os espíritas, em particular, abraçaram o mito da “terra do futuro”, entu­sias­mados com o livro de Chico Xavier, mas coube a um autor espírita, Erasto de Carvalho Prestes, rebater como falsas e mentirosas a maioria das afirmativas da obra “Brasil, coração do mundo, pátria do Evangelho”, psico­grafada pelo espírito de Humberto de Campos. No seu livro “Brasil: pátria do Anticristo”, Erasto demonstra com argumentos irre­futáveis que os personagens históricos aos quais ele atribui um papel espiritual de suma importância, tiveram atuação em sentido contrário, participando ou estimulando crimes contra índios e negros, entre outros feitos pouco edi­ficantes. Na verdade, a história do Brasil real está muito distante da visão idílica e cor de rosa descrita no livro de Chico Xavier. Os tais “espíritos de luz” que por aqui baixaram estavam mais para demônios do que outra coisa...

Até um intelectual do porte de Ste­phan Zweig se deixou seduzir pela ideia e escreveu o livro “Brasil, terra do futuro”. Quando conheceu melhor o país e seu povo, suicidou-se junto com a mulher...

Já Pietro Ubaldi, guiado pelas suas vozes, abriu mão da fortuna e por aqui desembarcou a convite dos espíritas, que imaginavam fazer dele um de seus correligionários. Quando perceberam que ele tinha luz própria e ideias que não se afinavam muito com as dos espíritas, foi abandonado por eles. Deixou muita gente rica com seus livros, mas escapou de passar o resto de seus dias na penúria graças a um golpe de sorte (ou da providência divina, segundo seus correligionários). Ainda hoje pouco conhecido no Brasil, é quase ignorado no resto do mundo e até em seu país natal. 

Para aqueles que acreditam em adivinhos aqui vai um aviso: profecias e previsões têm um longo background de fracassos... No entanto, o que me leva tê-las em pouco apreço é o potencial que elas têm para ser usadas em manipulações políticas para justificar guerras ou como justificativa para realizações megalomaníacas, como a construção de Brasília, por exemplo. Lembro, também, que tanto os nazistas quanto os aliados usa­ram profecias de Nostradamus como peça de propaganda. 

*    *    *

Um pesquisador profundo das grandes civilizações passadas — prof. Petrie (6) —  concluiu que uma cultura, uma civilização, uma raça, demora uns 400 anos para começar a produzir aquilo que chamamos de civilização. Só que para chegar a esse ponto é preciso ter uma raça homogênea, ou seja: enquanto dura o processo de miscigenação racial são precisos uns 400 anos, período durante o qual predomina os piores tipos de cada raça. Só depois de passado esse período, uma raça começa a construir uma civilização no verdadeiro sentido da palavra (como foi a egípcia, a grega, a romana; a inglesa, a francesa, etc.). Consolidada a raça surge a produção cultural característica dela. No Brasil ainda continua desembarcando gente de todos os povos e, ao contrário dos imigrantes europeus e asiáticos que chegaram nos séculos passados, essa gente não está trazendo na bagagem muita coisa de bom... Nem chegamos perto da homo­genei­dade racial e cultural (em todos os sentidos); começamos como prolongamento da cultura lusitana, copiamos e imitamos os franceses e agora copiamos e imitamos os americanos. 

Não é por acaso que o nosso para­digma racial, o herói brasileiro que me­lhor representa sua alma é Macunaíma: “um herói sem nenhum caráter”, preguiçoso, malandro, mentiroso, desones­to, safado. Se esse é o arquétipo de nossa raça, como acreditar que ela será capaz de gerar uma civilização evoluída? O Brasil é conhecido e admirado pelo quê? Pelo futebol, pelo carnaval, pela corrupção crônica que grassa por aqui e, sobretudo, pelos glúteos e liberalidade de suas mulheres... 

Culturalmente estamos em franco retrocesso antropológico. Nas décadas de 40 e 50, até uma criança do primário recebia mais educação de seus pais e da escola do que um estudante de nível médio dos dias de hoje. O francês era quase uma segunda língua nos centros desenvolvidos (São Paulo e Rio); o paulista e o carioca tinham um grau de civilização e cultura que os nivelava praticamente ao europeu. O retrocesso antropológico revela-se no comportamento do brasileiro de hoje, na sua amoralidade, no gosto pelos piores modismos compor­tamentais, artísticos e culturais que vêm de fora (piercing, tatuagem, putaria, pornografia, drogas, rap, funk, minimalismo, etc.). O brasileiro não só odeia o conhecimento como se orgulha de sua ignorância.   

O crime organizado espalha-se pelo tecido social como verdadeiro câncer; lavando dinheiro em empresas testas de ferro, enquanto políticos, advogados e policiais são coop­tados por organizações criminosas e trabalham para elas, mantendo fachada de cidadãos honestos. E assim caminha a carroça. 

A continuar neste ritmo, com a degradação de nossa sociedade e da cultura brasileira, daqui a duas ou três gerações retrocederemos à barbárie. Só para reparar o estrago dos últimos cin­quenta anos, precisaremos outro tanto para começar a pensar numa “civilização futura” por aqui.

Por tudo isso, não consigo acreditar nessa história de que a Luz se mudou para cá e que esse país possa se tornar a primeira nação do mundo. Confesso que essa ideia chega a me dar arrepios! Isso só pode acontecer se a humanidade chegar ao fundo do poço! 

Os místicos e profetas falam de uma luz que existe apenas nos textos sagrados e nas visões dos profetas, pois a Índia vive mergulhada na miséria, no atraso e na indigência há milênios, enquanto a China conseguiu sair do feudalismo só no século vinte, para cair diretamente no pesadelo comunista... Se a Luz vem acompanhada da miséria e da ignorância, então estamos no caminho certo.

Segundo os espíritas, as crianças que estão nascendo no século XXI são espíritos evoluídos e vêm de outros planetas para acelerar a evolução da humanidade. Se for verdade, aqui no Brasil é bom que nasçam já sabendo ler e escrever, pois não terão muito o que aprender dos professores, a não ser recortar estrelinhas de papel vermelho e adorar psicopatas assassinos como Chê Guevara e Fidel.

Na terra de Macunaíma, o famigerado método didático sócio-construtivo produziu três ou quatro gerações de analfabetos funcionais com títulos universitários, num verdadeiro genocídio cultural. Some-se a isso o baixíssimo nível dos programas de televisão e de toda produção artística da cultura de massa, o culto da medio­cridade, da violência, e a banalização do sexo. Expostas a tudo isso, essas crianças precisarão nascer com têmpera de verdadeiros super-homens para não se contaminarem.

Sem educação e cultura não se constrói uma civilização, mas os brasileiros não acreditam nisso...

*    *    *

Nos anos cinquenta e sessenta, não só místicos e fanáticos religiosos alimentaram a fantasia de que a América Latina, e o Brasil em especial, escapariam ilesos de uma guerra nuclear global, mas até alguns membros da cúpula do regime militar brasileiro nos anos setenta. Esta crença ingênua teria levado nossos gover­nantes a endividar o país, na certeza de que quando a guerra explodisse nossos credores deixariam de existir e não precisaría­mos pagar a dívida externa! Se alguém achar isso um absurdo, lembro que um dos estrategistas do regime militar foi o general Golbery, leitor compulsivo de livros esotéricos e ocultistas, que comprava aos montes na extinta livraria Zypak, em São Paulo. Talvez tenha lido os livros do coronel Rolim de Moura e até o livro de Chico Xavier, para depois vender o peixe para os outros generais do círculo do poder...

Hoje, ninguém mais conseguiria imaginar que possa sobrar alguma coisa sobre a face da Terra depois de uma nova guerra mundial. Já nos anos 80, o Brasil fazia parte do mapa de possíveis alvos de misses nucleares, só pelo fato de ter uma próspera indústria exportadora de artefatos bélicos. O que se poderia dizer agora, quando em vez de manter uma atitude diplomática de neutralidade, o país se alinha com o bloco eurasiano, com Cuba, Vene­zuela e Irã, podendo tornar-se uma ameaça aos Estados Unidos no caso de uma guerra mundial? Estamos nos metendo numa briga de cachorro grande em que só temos a perder.

Sempre nos acreditamos um povo bem-aventurado, pacífico, hospitaleiro, e até mesmo predestinado a um futuro grandioso, mas nada fizemos até hoje para que este destino se cumpra. Na verdade, caminhamos em sentido contrário: o Brasil está em plena decadência sem nunca ter alcançado o apogeu.

Os brasileiros continuam a acreditar que estão predestinados a construir uma nova civilização, pela vontade divina, mas é bom que comecem a fazer algo para isso logo, pois a cada dia que passa mais o país mergulha na barbárie e no atraso.

Notas:

(1) Ana Donnard, O Outro Mundo dos celtas atlânticos e a mítica Brasil, ilha dos afortunados: primeiras abordagens
(2) Gustavo Barroso, O Brasil na lenda e na cartografia antiga (1941), pág. 21
(3) “A Irlanda possui um elenco numeroso de pequenas ilhas míticas, como satélites em torno da grande ilha que é a própria Irlanda. Cada ilha possui sua lenda específica, mas em quase todas as lendas a ilhas aparecem e desaparecem, deslocando-se, mais ao norte ou mais ao sul. Essa mobi­lidade e visibilidade intermitente é parte integrante do folclore irlandês e a ilha Brasil tornou-se a mais famosa dentre todas as ilhas-fantasma, ganhando sua internacio­nalização desde a época medieval, mas ficando todas as outras ilhas da Irlanda restritas ao folclore nacional. Existem diferentes grafias: Ui Breasail, Hy Brazil, Breasal, e para uma etimologia temos várias hipóteses. O vocábulo gaélico bress poderia indicar alguma pista, mas limitada ainda. Seu significado é “nobre” ou “afortunado”. Breasal por sua vez seria o nome de um herói celta que também é obscuro e que teria dado seu nome à ilha por ali ter sido sepultado em tempos imemoriais. Sabemos pela literatura arturiana que os heróis guerreiros eram enterrados numa ilha mágica, assim como Arthur em Avalon” (Ana Donnard, idem) 
(4) Tra il grado 15 e il 20 grado vi era un seno assai lungo e assai largo que partiva di un punto che formava un lago. Allora una voce disse ripetutamente, quando si verrano a scavare le miniere nascoste in mezzo a questi monti di quel seno apparirà qui la terra promessa fluente latte e miele, sarà una ricchezza inconce­pibilie. (Dom Bosco, Memorie Biogra­fiche, XVI, 385-394)
(5) Pseudônimo de Glycia Modesta de Arroxellas Galvão (1924-2002).
(6) Citado por Will Durant em “Filosofia da Vida”.


A Nova Era: Os deuses estão de volta?
Uma tese provocativa e original sobre a era de Aquário

172 páginas, formato 13, 5 X 20 cm. Edição revista e atualizada. Uma tese provocativa e original de Bira Câmara sobre a Era do Aquário. Indicada para astrólogos, estudantes de Astrologia e adeptos da New Age. Alguns capítulos: "Simbolismo Astrológico da Nova Era", "A Teoria dos Grandes Ciclos", "Os Precursores da Era de Aquário", "Os Ciclos Cósmicos nas antigas tradições da Ìndia", "Precessão dos Equinócios e Nova Era", "Eras Zodiacais", e "Ensaios da Velha Era".
PEDIDOS: jornalivros@gmail.com



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