sexta-feira, 9 de abril de 2021

Uma história muito estranha

O romance de Bulwer-Lytton que mereceu elogios de Charles Dickens e influenciou
Bram Stoker, onde ele aborda os mais diversos fenômenos paranormais que marcaram sua obra literária,magia, alquimia e a busca da imortalidade: Uma Estranha História (1862) 

(texto de Bira Câmara) 


Bulwer-Lytton sempre acalentou o projeto de abordar o tema da imortalidade, junto com outras questões metafísicas e filosóficas, numa obra mais profunda. O seu Conto de Kosem Kesamim, como ele mesmo revelou, deveria ser posteriormente reelaborado numa obra mais pretensiosa, e para o autor a principal dificuldade deste projeto seria “evitar que se tornasse uma mera imitação do Fausto”. Tudo leva a crer que este projeto resultou nesta Uma estranha história, obra que junta ficção científica, romance, mistério de assassinato, introspecção sobre o sentido da vida e espiritualidade, intercalada com preocupação social. Escrita vividamente no contexto filosófico histórico da era vitoriana, trata do tema espiritualidade, da busca alquímica da imortalidade, sem cair nos clichês das novelas góticas da época.

 Este romance, por ocasião de sua publicação em partes na revista norte americana Harper’s Weekly em 1861, recebeu elogios de Charles Dickens, que escreveu a Bulwer Lytton em uma carta de 18 de dezembro de 1861: “E eu digo: o mais magistral e o mais admirável! (...) Não pode haver dúvida da beleza, poder e excelência artística de todo o romance. Sua carreira mostra que mesmo a riqueza e o nascimento elevado nem sempre sufocam o gênio” (Harper’s Weekly, 10 de agosto de 1861, vol. V., n. 241). 

No transcorrer da trama, há referências aos rosacruzes, alquimistas, sábios e adeptos que eram “versados nos mistérios da natureza”, levando o leitor a se perguntar se eles estão entrelaçados na história porque talvez estariam historicamente conectados através de um propósito benevolente maior para a humanidade.

Uma estranha história foi descrito como “‘um romance baseado em alguns reflexos da realidade’”, com “alguns grãos de verdade” entre “as porções de mistério, suspense e romance inseridas para dar efeitos dramáticos”, elementos que o tornaram um escritor de sucesso com histó­rias que encantaram seus leitores e se tornaram best-sellers.

A ficção encoraja o leitor a suspender a descrença em relação àquilo que ele não pode experimentar ou explicar pela razão, pelos seus cinco sentidos corporais, pois há mais coisas na vida e na natureza do que nossos sentidos humanos podem perceber. 

Em certo trecho da obra, o herói Allen Fenwick se pergunta: “Existem em mim sentidos mais refinados do que aqueles que cultivei ou sem perspectivas de conhecimento que instiga, além de meus sentidos, o divino?” A história põe em discussão o desenvolvimento da ciência além da filosofia e da religião, espiritualidade  — com referências à ciência do raciocínio indutivo de Francis Bacon. 

Na sua preocupação com questões de ordem filosófica, Lytton transcende a esfera de uma mera obra literária e propõe discussões de natureza metafísica e moral sobre os limites da razão e sua incapacidade de compreender tudo aquilo que está na esfera da Alma. Assim, a formação racionalista e carteziana do personagem principal que narra a história é confrontada, ao longo da trama, pela sua experiên­cia de fenômenos que escapam à explicação da ciência oficial. 

O Dr. Fenwick, um médico de província, típico exemplar de uma mente científica educada dentro dos paradigmas materialistas do século, se depara com o enigmático Margrave, personagem que é quase uma paródia do Fausto em sua busca da imortalidade. O confronto entre ambos é pretexto para amplas discussões filosóficas que levam o leitor a profundas reflexões. Sem dúvida, Margrave é um dos personagens mais singulares da literatura do século XIX, e poderia, à luz da psiquiatria moderna, ser classificado como um completo psicopata. Por outro lado, a heroína torna-se o foco de tensão da trama: jovem sonhadora e conectada com mundos distantes da realidade, tem o “dom das Pitonisas da antiguidade”, e é disputada por Margrave como instrumento para alcançar seus propósitos obscuros. Em meio a tudo isso, Lytton também consegue inserir uma crítica à alta sociedade que ele conheceu tão bem, pois fazia parte dela.

Edward Bulwer-Lytton é lembrado principalmente como um romancista prolífico, cujos vários romances ainda hoje “permanecem imensamente legíveis” — “um romancista de primeira categoria”. Apesar de ter escrito várias obras de cunho fantástico, que lhe valeram o rótulo de “esotérico”, ele não é um autor de leitura fácil, desses que apelam para fórmulas consagradas para fisgar o leitor adepto deste gênero literário. Muitos de seus romances misturam habilmente a metafísica com suas observações autobiográficas sobre a alta sociedade contemporânea.

Bulwer-Lytton sonhava com uma Teoria Unificada, conectando eletricidade e magnetismo, que poderia, talvez, descobrir “segredos da natureza que possam se mostrar bastante reconciliáveis com a ciência sóbria”. Assim, no prefácio deste romance ele pondera: “Bem posso conceber que a história que conto será considerada pela maioria como uma fábula selvagem e fantástica; que, para alguns, pode ser um veículo de palpites em vários enigmas da natureza, fora ou dentro de nós, que são livres de licença no romance, embora proibido pela cautela da ciência”. Pondere se “a razão já avançou um passo para o conhecimento, exceto através daquela faculdade imaginativa que é mais forte na sabedoria da ignorância e mais fraca na ignorância dos sábios”?

Afinidades literárias entre Pöe e Bulwer-Lytton

Muita gente ignora que Bulwer-Lytton teve grande influência na prosa inicial de Edgar Allan Pöe, que
inclusive era um admirador declarado do escritor inglês. Ele já era um escritor altamente aclamado desde 1830, bastante conhecido também do público norte americano. O seu romance Paul Clifford transformou o herói em criminoso, assim como em muitos dos contos de Pöe, como “O Coração Denunciador”, “O Gato Preto”e “O Barril de Amontillado.

Poucos críticos prestaram atenção na influência que o escritor inglês exerceu sobre muitos dos contos de Pöe, como fica evidente no seu William Wilson, cuja temática é a mesma de Monos e Daimonos, de Bulwer-Lytton, uma curiosa antecipação do conto de Pöe. Esta história foi publicada em 1839, três anos depois da obra de Lytton, e aborda o tema do duplo — o doppelgänger, que surgiu na literatura a partir do célebre romance de Hoffmann Os Elixires do Diabo. Mas o personagem de Lytton não é propriamente o «duplo», ou cópia idêntica do personagem, embora sem dúvida seja uma espécie de alter ego que passa a acompanhá-lo e assombrá-lo.

Pöe leu não apenas romances de Bulwer-Lytton, mas também alguns de seus escritos menores. Em 1836, ele fez a resenha de Rienzi, de Bulwer-Lytton, publicada no Southern Literary Messenger, onde declara:

“Há muito que aprendemos a reverenciar o bom intelecto de Bulwer. Aceitamos qualquer produção de sua caneta com uma certeza positiva de que, ao lê-la, as paixões mais loucas de nossa natureza, os pensamentos mais profundos, as visões mais brilhantes de nossa fantasia e a mais enobrecedora e elevada de nossas aspirações, por sua vez, será estimulado dentro de nós. Temos a certeza de sair da leitura como homem mais sábio, senão melhor.” 

Os dois autores exploraram linhas de ficção semelhantes durante seus anos produtivos. As primeiras ficções de Bulwer-Lytton em Newgate se assemelham a contos góticos de Pöe; seus romances históricos encontram sua contrapartida no gosto de Pöe pelos clássicos; seus romances domésticos tardios têm alguma semelhança com os contos de Pöe e os romances ocultos e metafísicos de Bulwer-Lytton lembram algumas das peças do escritor americano. 

Mas enquanto Bulwer-Lytton escreveu extensos romances, Pöe preferia o conto, que na sua opinião era o gênero mais adequado para alcançar sua unidade de efeito. Ao avaliar os romances de Bulwer, ele elogiou seus temas e idéias, mas discordou de seu tratamento e, antes de tudo, não gostava da duração dos seus romances, demasiado extensos, no que por certo até os seus fãs concordariam.

Uma Estranha História
 

Edward Bulwer-Lytton

Texto integral, ilustrado. 
1a edição em língua portuguesa.
Tradução de Júlia Câmara e prefácio de Bira Câmara. Brochura, 440 págs. 14 X 20 cm. (2019)

PEDIDOS:
jornalivros@gmail.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário